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Sociedade, trabalho, limites do capitalismo e Ciências Sociais: coronavírus, pandemia e pós-pandemia

Entrevista Bruno Durães

Bruno Durães: Sociedade, trabalho, limites do capitalismo e Ciências Sociais: coronavírus, pandemia e pós-pandemia*

Entrevista com Bruno Durães

Bruno Durães
Bruno Durães é professor de Sociologia da UFRB, pesquisador do CRH/UFBA, Membro da Comissão de Ética da ABECS e professor do Programa de pós-graduação em Política Social e Territórios/POSTERR/UFRB.

O professor Bruno Durães fala sobre os impactos atuais da pandemia na perspectiva do trabalho informal, da importância da temática das classes sociais, da crise do neoliberalismo (e sua falácia) e de como as Ciências Sociais e a Sociologia, em particular, podem abordar questões sobre esse momento, bem como fala de possibilidades do pós-pandemia. Trata também dos sentidos da vida na lógica capitalista, propondo uma reflexão crítica sobre o lugar do ser social no mundo  e propõe pensar em uma sociedade pós-capitalismo, de tipo socialista/comunitária/coletiva.Áudio 03:

Segue a entrevista na íntegra em nove áudios:

 

 

 

 

 

 

Áudio 01. Sociedade, vida humana e capitalismo ou limites postos pela pandemia mundial

Áudio 02: A falácia do neoliberalismo mundial

Áudio 03: A classe social é real e o trabalho é sim central

Áudio 04. Economia e vida humana: tem ou não tem fronteira?

Áudio 05: Novas sociabilidades na pandemia?

Áudio 06. A importância das ciências sociais na pandemia

Áudio 07. E como fica o trabalho Home office?

Áudio 08.  E o que acontecerá com os Informais no cenário atual e depois?

Áudio 09. E O pós.pandemia e o capitalismo?

 

Trechos da entrevista com Bruno Durães:

“O presente pode está apontando para limites do próprio sistema capitalista e de seu máximo valor, a saber, o individualismo/consumismo, e do sistema neoliberal, da lógica de “austeridade” e de contenção de investimentos sociais e limites humanos, éticos e ambientais. Esses limites poderão indicar o germe para o novo, apesar da tristeza mundial pelas mortes e pela doença, podemos ver nascer sementes utópicas de um mundo menos desigual e com envolvimento e consciência critica e política das pessoas e com mais disposição para luta”.

“As questões da pandemia só serão efetivamente compreendidas post-facto, como dizia Karl Marx quando falava da complexidade dos fenômenos e do caráter dialético das relações sociais. É, pois, difícil precisar quais as mudanças societais e humanas teremos e quais estão em curso. Pode-se errar nessa caracterização, mas existem pistas. Hoje já temos algumas mudanças coletivas (como nas relações sociais que passam a ter a mediação muito maior da tecnologia e do meio digital) e individuais (novos comportamentos pessoais e com o outro, sentimento de preocupação, alteridade e solidariedade com as pessoas, mudanças de hábitos corporais e de gestos e atitudes nas ruas e em casa, limpeza, cuidado etc., bem como crescimento da sensação de insegurança social e medo da morte). Também podemos ver elementos sociais históricos e estruturais postos na superfície da sociedade e que evidenciam mazelas que nunca foram resolvidas no Brasil”.

“Temos desigualdades sociais, raciais, de classe e de gênero que, muitas vezes, foram ocultadas. Agora aparecem com força. Como no caso dos Estados Unidos em que morreram muitas pessoas historicamente vulnerabilizadas (migrantes, negros), que não possuíam acesso adequado à saúde. Algo que vem ocorrendo no Brasil, principalmente quando a pandemia deixa de alcançar apenas a elite e passa ‘a subir o morro’. Temos também questões de gênero. Pode-se ver hoje o acúmulo de atribuições que são lançadas para as mulheres em casa, exercendo atividades domésticas com intensidade, tido como insignificante, caracterizando o trabalho explorado e inferiorizado como diz a pesquisadora Cláudia Nogueira. De forma correlata, temos às professoras Helena Hirata e Angela Araújo, que abordam a feminização do trabalho como forma de perversidade no capitalismo, revelando fios (in) visíveis da exploração. Ainda temos o aumento de casos de violência doméstica ”.

 

 “O trabalho informal infelizmente tenderá a aumentar no pós-pandemia, o cenário para o trabalho será o pior possível, bem como para os direitos sociais”.

 

“Acho que ficará uma lição para toda sociedade e para os governantes (que possam aprender com o presente) como que as mazelas históricas sociais (e as desigualdades raciais e de gênero) não podem ser colocadas “debaixo dos tapetes”, mas precisam ser enfrentadas e superadas”.

“Hoje ficou evidente como a luta de classes e a disputa entre Capital e Trabalho é real e perversa. Alguns burgueses tentaram empurrar os trabalhadores para a morte. O presidente da república também foi nessa direção quando tratou a situação como ‘gripezinha’ ”.

“A pandemia mostrou a injustiça que temos no Brasil de termos mais de 50 milhões de pessoas informais e/ou desempregadas e muitos vivem com excesso de trabalho e no dilema trabalhar ou morrer de fome? Isso é desumano”.

“[…] estão surgindo novas sociabilidades, sobretudo, pela mediação com as tecnologias e meios digitais (e o uso avassalador desses meios agora), mas isso não pode ser sobredeterminado e nem ser visto como um elemento salvacionista ou redentor, ao contrário, é algo positivo e negativo, que possui contradições.”

“O meio digital facilita o processo educacional e enriquece, sobretudo, nesse momento, porém, não podemos ver isso como a solução da questão educacional, mesmo porque o espaço dialógico da sala de aula é insubistituivel, assim como o professor”.

“Temos que atentar sobre o trabalho home office, essa forma de trabalho pode esconder novas formas de exploração, de redução de custos e de aumento da produtividade. Como ficará o espaço familiar (a esfera do intimo, do não-trabalho) dentro de casa? E o custo do trabalho sob responsabilidade dos trabalhadores em suas casas, então, temos que ter um olhar crítico para isso e contestar supostos discursos carregados de ideologias e falácias”.

“Sem dúvida é uma situação fecunda de mudanças e reveladora da lógica maior do negócio, do lucro em contraposição a vida. Muitos capitalistas no Brasil estavam querendo empurrar os trabalhadores para o abismo. Isso é genocídio”.

 

Nota: * Entrevista concedida em 24.04.2020 para a jornalista Thais Borges (via Whatsaap) do Correio da Bahia (Salvador).

 

Referências citadas na entrevista:

DARDOT, P; LAVAL, C. A nova razão do mundo: ensaio sobre a sociedade neoliberal. São Paulo: Boitempo, 2016.
ANTUNES, Ricardo. O privilégio da servidão: o novo proletariado de serviços na era digital. 1ª. ed. – São Paulo: Boitempo, 2018.
DAVIS, Mike (Et al). Coronavírus e a luta de classes. Brasil: Terra sem amos, 2020

Cristiano Bodart

Doutor em Sociologia pela Universidade de São Paulo (USP), professor do Centro de Educação e do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal de Alagoas (Ufal). Pesquisador do tema "ensino de Sociologia". Autor de livros e artigos científicos.

3 Comments

  1. Existe relação das determinações de trabalho atuais com as teses impostas pelos grandes pensadores da sociologia?

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