Igualdade natural, desconfiança e o homem lobo na obra de Hobbes

Thomas Hobbes

Hobbes

Por Caique de Oliveira Sobreira Cruz

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Introdução

Thomas HobbesOs três elementos citados no título deste artigo são aspectos presentes na tese do filósofo inglês Thomas Hobbes (1588- 1679) acerca da questão política. Na ordem em que foram mencionados eles estarão entrelaçados e um vai gerar o outro, em uma relação de derivação, a “igualdade natural” vai fomentar a “desconfiança” e, por fim, esta vai fazer desaguar a famosa “guerra de todos contra todos”, uma cadeia de causalidade lógica que o autor montou, demonstrando um certo logicismo advindo da sua posição de “racionalismo jusnaturalista”, conforme visto em (BOBBIO, 2003, p. 82).

A igualdade natural

Para Hobbes, a humanidade até o seu período histórico, nos séculos XVI e XVII, teria vivido em dois estados políticos diferentes, o “Estado de natureza” e o “Estado civil”. O primeiro seria aquele no qual os homens são livres e iguais, tendo direito a todas as coisas que existem, sem nenhuma hierarquia, o autor chega a dizer, em Hobbes (2002, p. 29), que todas as desigualdades entre os humanos seriam causadas pelas “leis civis” que criamos por intermédio de um “pacto social”, ou seja, na natureza todos os homens teriam direito a tudo, como um “direito natural” e teriam as mesmas condições de conseguir, seja pela força, pela inteligência ou por se agrupar com outros para obter êxito em sua empreitada. Neste sentido que se fala na “igualdade natural”, jogados ao mundo natural sem estratificações sociais todos estão no mesmo patamar para o filósofo, vejamos:

A natureza fez os homens tão iguais, quanto às faculdades do corpo e do espírito que, embora por vezes se encontre um homem manifestamente mais forte de corpo de espírito mais vivo do que outro, mesmo assim, quando se considera tudo isto em conjunto, a diferença entre um e outro homem não é suficientemente considerável para que qualquer um possa com base nela reclamar qualquer benefício a que outro não possa também aspirar, tal como ele. Porque quanto à força corporal o mais fraco tem força suficiente para matar o mais forte, quer por secreta maquinação, quer aliando-se com outros que se encontrem ameaçados pelo mesmo perigo. […] Quanto às faculdades do espírito […] encontro entre os homens uma igualdade ainda maior do que a igualdade de força. […] Desta igualdade quanto à capacidade deriva a igualdade quanto à esperança de atingirmos nossos fins (HOBBES, 2003).

Já o “Estado civil”, seria uma entidade “artificial” criada pelos indivíduos para evitar o último estágio da “guerra entre todos”, com o homem sendo analogicamente um lobo que caça a sua própria espécie. Tal situação foi apresentado por Bodart (2013) aqui no Blog Café com Sociologia.

De acordo com Bernardes (2002, p. 12), Hobbes é influenciado pela física de Galileu e a geometria Euclidiana com as suas verdades a priori. Segundo Hobbes, aquilo que está em repouso tende a ficar em repouso, e o que tende a estar em movimento continua sem parar. O movimento dos corpos humanos na direção das “satisfações” tende ao infinito, se não for freado. Todos os homens em movimento pelo “desejo” irão parar, pois se chocarão com outro objeto que também está inercialmente em movimento, qual seja, outro homem. Diante deste choque, os humanos começam a se associar uns aos outros para poderem continuar em movimento, atentando contra os que os impede. “Nenhum homem duvida da verdade da seguinte afirmação: quando uma coisa está em repouso, permanecerá sempre em repouso, a não ser que algo a coloque em movimento” (HOBBES, 2003, p. 17).

A desconfiança

Justamente por essa dita igualdade, “inerente” à “natureza humana”, é que o autor vai pensar que isto vai levar os homens a terem “desconfiança” uns dos outros, pois se são iguais e tem condições paritárias, cada pessoa tem a possibilidade de conquistar tudo o que a outra conseguiu e até mesmo tomar tudo o que ela possui, neste ponto, por antecipação, os seres humanos teriam “desconfiança” de seus semelhantes, pois a qualquer momento poderiam ser saqueados, atacados e até mortos, então pensam em se prevenir e atacar antes para se precaver de serem atacados.

Não havendo nenhum tipo de segurança, o desespero seria constante e iminente, cada um tentaria subjugar quantos fossem possíveis até que conseguisse alcançar um patamar de estabilidade que não poderia mais ser atingido pelos demais. Nas palavras do autor: “E contra esta desconfiança de uns em relação aos outros, nenhuma maneira de se garantir é tão razoável como a antecipação; isto é, pela força ou pela astúcia, subjugar a todos os homens que puder, durante o tempo necessário” (HOBBES, 2003).

O homem lobo

Portanto, a “igualdade natural” dos seres humanos no estágio do “Estado de natureza”, para Hobbes, iria gerar inexoravelmente a “desconfiança” entre todos os envolvidos e, por isso, estaríamos vivendo em um eterno ciclo de “guerra de todos contra todos” ou como ele mesmo denomina “o homem é o lobo do homem” (frase que já havia sido cunhada pelo romano Plauto (254-184 a.C), “homo homini lupus”), sem cessar, pela competição, desconfiança e glória, uma discórdia infinita. Com esses nexos causais, o homem como lobo alcança uma forma de quase inatismo em relação à ‘natureza humana”, sendo uma circunstância inevitável diante do quadro de sequências: igualdade, desconfiança e guerra entre todos. Os conflitos dados seriam, então, derivados da própria ganância humana e de seu espírito beligerante.

Considerações finais

Hobbes conclui, desta forma, que seria necessário, para manter a segurança de todos os indivíduos e dos seus patrimônios, que houvesse, por meio de um “contrato social”, a construção de um “Estado civil” forte para impor “leis naturais” que pudessem garantir o desenvolvimento e a vida dos agrupamentos humanos. Sendo esta forma-política não uma criação divina ou um direito designado aos reis por forças sobrenaturais, mas sim, uma criação dos próprios homens instituindo um organismo “artificial” revestido de autoridade necessária para conter a guerra entre os indivíduos.

Diante de todo o exposto, seria possível, enquanto atividade pedagógica, extrair uma espécie de conceito de “Justiça” das conclusões hobbesianas, comparando-o com a tese de “Glauco”, exposta no Livro II de “A república” de Platão, exemplificada através do “mito do anel de Giges” (anel que teria o poder de deixar pessoas invisíveis, neste caso, quem o usasse cometeria qualquer tipo de atrocidade, pois nunca seria descoberto e nem punido).

Para “Glauco”, a “Justiça” deve ser fundamentada no medo da punição, caso contrário, todos irão agir para obter vantagens em detrimento dos demais, uma espécie de “homem lobo” que só pode ser parado por forças externas a ele, assim como visto em Hobbes. Estas e outras intersecções entre pensamentos são exercícios imprescindíveis para que se possa compreender qualquer conceito em sua devida complexidade, evitando a leitura de autores de maneira isolada, sem destacar elementos anteriores ou paralelos que podem ter dado base a algum conceito de sua teoria, complementando-a.

Referências bibliográficas

BERNARDES, Julio. Hobbes e a liberdade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2002.

BOBBIO, Norberto. O filósofo e a política. Rio de Janeiro: Contraponto, 2003.

BODART, Cristiano das Neves. O homem nasce bom e a sociedade o corrompe ou o contrário? Blog Café com Sociologia, 2013.

HOBBES, Thomas. Do cidadão. São Paulo: Martins Fontes, 2002.

_______. Leviatã. São Paulo: Martins Fontes, 2003.

 

 

 

 

 

 

Sobre confiança e desconfiança entre os homens, indicamos o artigo CONTRIBUIÇÕES DA TEORIA DOS JOGOS, DA ESCOLHA RACIONAL E DO CONCEITO DE CAPITAL SOCIAL PARA O ESTUDO DA COOPERAÇÃO ENTRE SOCIEDADE E PODER PÚBLICO LOCAL.

 

 

 

 

 

Cristiano Bodart

Doutor em Sociologia pela Universidade de São Paulo (USP), professor do Centro de Educação e do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal de Alagoas (Ufal). Pesquisador do tema "ensino de Sociologia". Autor de livros e artigos científicos.

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