CONTRIBUIÇÕES DE RONALD H. COASE À ABORDAGEM TRADICIONAL DA TEORIA ECONÔMICA DAS ESCOLHAS

Por Cristiano BodartRonald H. Coase busca efetuar uma análise crítica em torno da origem da moderna análise econômica do “Dilema das Escolhas”, especialmente às noções apresentadas na obra The Economics of Welfare, de Pigou em particular, a seção da Parte II. Para Coase, abordagem tradicional tende a obscurecer a natureza da escolha que deve ser feita, uma vez que não leva em consideração todos os efeitos totais ao projetar e escolher entre arranjos sociais.
A abordagem tradicional, geralmente é assim pensada, como destacou Coase (p.1):

“A questão é normalmente pensada como uma situação em que A inflige um prejuízo a B, e na qual o que tem que ser decidido é: como devemos coibir A? Mas isso está errado. Estamos lidando com um problema de natureza recíproca. Evitar o prejuízo a B implicaria causar um prejuízo a A. Assim, a verdadeira questão a ser decidida é: A deveria ser autorizado a causar prejuízo a B, ou deveria B ser autorizado a causar um prejuízo a A? O problema é evitar o prejuízo mais grave”.
Ainda, de acordo com a abordagem tradicional, quando as transações no mercado não possuem custos seria possível realocar os direitos por meio do mercado, acreditando que tal realocação se daria desse modo sempre que levasse a um aumento no valor da produção. Quando as transações no mercado possuem custos uma realocação de uma firma seria adotada sempre que os custos administrativos da firma fossem menores do que a reorganização das atividades. Há situações onde o dano causado de uma firma pode ser tão elevados tornar qualquer tentativa de solução do problema através da firma impossível. Uma solução alternativa é a regulação direta pelo governo (por meio de regras, por exemplo). Nesse contexto, “o governo é, em certo sentido, uma super-firma (mas de um tipo muito especial), porquanto é capaz de interferir no uso dos fatores de produção por meio de decisões administrativas” (p.14).
O que a abordagem tradicional não aponta é que a ação do governo não funciona sem custos os quais podem ser muito alto. Além disso, o governo é falível nem sempre estará voltada para o aumento da eficiência com o qual o sistema econômico opera. Outra crítica de Coase a abordagem tradicional está na falha da “lei geral”, a qual será aplicada a todas as situações, não atentando para suas peculiaridades. Além de se criar uma situação de paternalismo, ora dos causadores dos custos, ora dos prejudicados por uma dada situação.
Coase afirma que (p.15):
“Todas as soluções acarretam custos e não há razão alguma para supor simplesmente
que a regulação governamental seja a mais apropriada quando o problema não for
satisfatoriamente resolvido através do mercado ou da firma. Uma visão satisfatória sobre a política mais adequada somente pode ser alcançada através de um paciente estudo de como, na prática, o mercado, as firmas e os governos lidam com o problema dos efeitos prejudiciais”.
Para Coase, o problema relacionado às atividades que causam efeitos prejudiciais não é o de simplesmente a coerção sobre os responsáveis. Afirma que o que deve estar em jogo é a identificação dos ganhos e perdas, a fim de, busca uma escolha sub-ótima.
Outra crítica efetuada por Coase sobre o pensamente de Pigou é que este aponta que o Estado possui imperfeições, mas não aponta para as ações adicionais necessárias para que a intervenção seja otimizada. Para Coase a abordagem tradicional não atenta para a questão da liberdade de ação. O fator de produção é pensado como uma entidade física que o empresário adquire e usa, em vez de o direito de realizar certas ações.
“Se os fatores de produção são pensados como direitos, torna-se mais fácil compreender que o direito de fazer algo que gera efeitos prejudiciais (tais como a emissão de fumaça, barulho, odores, etc.) é, também, um fator de produção. Da mesma forma que podemos usar um pedaço de terra de modo a evitar que as pessoas o atravessem, ou estacionem seus carros, ou construam suas casas sobre o mesmo, nós podemos usá-lo de modo a denegá-las uma vista, ou o silêncio, ou um ar não-poluído. O custo de exercer um direito (de usar um fator de produção) é sempre a perda sofrida em outro lugar em conseqüência do exercício desse direito – a incapacidade de cruzar a terra, estacionar o carro, construir uma casa, gozar de uma vista, ter paz e silêncio, respirar ar limpo.
Seria claramente desejável se as únicas ações realizadas fossem aquelas nas quais o ganho gerado valesse mais do que a perda sofrida. Mas, ao se escolher entre arranjos sociais em um contexto no qual decisões individuais são tomadas, temos que ter em mente que uma mudança no sistema existente, a qual levará a uma melhora em algumas decisões, pode muito bem levar a uma piora em outras. Além disso, tem-se que levar em conta os custos envolvidos para operar os vários arranjos sociais (seja
o trabalho de um mercado ou de um departamento de governo), bem como os custos
envolvidos na mudança para um novo sistema” (p.36).

Desta forma, para Coase, nas escolhas de arranjos sociais devem ser atentados para a complexidade que envolve as peras e ganhos, transpassando pelos custos e prejuízos monetários às questões referentes à liberdade individual e seus custos à outros indivíduos também livres.

Cristiano Bodart

Doutor em Sociologia pela Universidade de São Paulo (USP), professor do Centro de Educação e do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal de Alagoas (Ufal). Pesquisador do tema "ensino de Sociologia". Autor de livros e artigos científicos.

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