A “Escola sem Partido” é possível?

Escola sem partido: algumas reflexões

Cristiano das Neves Bodart e Roniel Sampaio-Silva

 

Temos presenciado um discurso em torno de um projeto de escola ou de prática educacional denominado Escola sem Partido. Buscamos neste texto responder o seguinte questionamento: O projeto Escola sem Partido é viável/realizável? Convidamos você, leitor, a nos acompanhar em algumas reflexões em torno da questão.

liberdade ensinoO que é “Escola sem Partido”?

Grosso modo, trata-se de um movimento com, ao menos, duas vertentes: i) a que defende que o professor deva se portar obrigatoriamente nas aulas de forma neutra, sem emitir juízos valorativos e nem expor abordagens supostamente partidárias (de esquerda) e; ii) a que defende que o professor deva obrigatoriamente apresentar/expor aos alunos todas as perspectivas teóricas-metodológicas-conceitual-descritivas possíveis sem emitir juízo de valor, apresentando suas virtudes e perversidades.

É possível ensinar de forma neutra?

Em ambos os casos afirma-se que o professor não pode ter intencionalidade que não seja aquela que representa os interesses dos pais dos alunos (como se existisse consenso entre pais de 30 a 50 alunos de uma única sala de aula) ou expondo aos alunos em escala valorativa igualitária todas as abordagens/temas/métodos existentes/conhecidos.

Antes, nos parece necessário destacar que na educação há duas dimensões ou tipos: i) a educação formal e; ii) a educação não-formal. A educação informal dar-se em todas as esferas da vida (ou campos sociais) ao longo da trajetória dos sujeitos, não envolvendo planejamento, sistematização e finalidades claras. Por outro lado, a educação formal dar-se em um espaço delimitado no tempo e no espaço (as instituições de ensino). Caracteriza-se pela intencionalidade planejada e dar-se de forma sistemática a fim de alcançar um objetivo e um projeto de sociedade que se deseja. Repetindo: a educação formal (escolar e universitária) exige objetivos, intenção e finalidade; logo é orientado para um projeto de ser humano. Se há uma orientação em direção a um projeto de sociedade e de humano, logo é ideológica. Assim, a educação é um processo puramente ideológico. Talvez um dos mais ideológicos de todos. Tentar dizer que uma prática educativa é neutra é ignorar o conceito básico de educação.

liberalismo eua

Liberdade de cátedra faz parte dos valores do mundo capitalista liberal

O ensino e o currículo demandam escolhas, e essas são sempre políticas/ideológicas. O currículo é, antes de tudo, um espaço de disputas ideológicas. É no currículo que se define “como” e “o que” olhar no mundo.

Se a educação e o currículo (em particular) são marcados por disputas é possível neutralidade? Para tornar mais claro: neutralidade existe? Existe uma posição a se colocar que não é posição? Existe leituras do mundo que não são leituras? A resposta a essas indagações são categoricamente “não!”

A escola formal que conhecemos hoje surge com objetivos claros (atender a sociedade capitalista que se desenvolvia) e desde então passou a ser palco de disputas curriculares. A concepção de liberdade de cátedra não é um ideal socialista ou comunista, como afirmam defensores da Escola “sem Partido”. Trata-se de um princípio iluminista, baseado na liberdade.

Autonomia dos professores impulsiona boas experiências educacionais

Os professores precisam ter liberdade de cátedra para ensinar. Precisam ter autonomia para escolher os melhores métodos e conteúdos baseados no Projeto Político Pedagógico da escola. Se observar os países com melhores indicadores educacionais, verá que os professores têm plena liberdade de posicionamentos e escolha de recursos didáticos. É isso que enriquece o processo educativo. Isso garante aos alunos o acesso a uma ampla gama de possibilidades de posicionamentos. Quanto mais diverso, mais rico é o processo. Temos que estimular a diversidade e não combater os professores como sugere os principais defensores desse programa.

camuflagem ideológicaCamuflagem ideológica

A vertente da Escola “sem Partido” que defende a exposição imparcial de todos os conteúdos ignora que não é desejável apresentar faces que não existem, tais como uma suposta virtude da escravidão, do nazismo, do fascismo, da homofobia, etc. Nesses casos os professores estariam cometendo crimes contra a humanidade. Por isso, é necessário se posicionar; julgar valorativamente.

No fundo, o que deseja o projeto Escola “sem Partido” é combater as ideias da esquerda na própria escola a fim de facilitar a disputa política partidária em outros espaços e num futuro próximo. Os idealizadores desse projeto usam a escola para transmitir um tipo de projeto societário que acreditam, logo é ideológico. Se a escola e a universidade tivesse sido “dominada” pela esquerda, certamente o resultado da última eleição seria diferente.

A estratégia que se valem é uma suposta neutralidade ideológica a fim de combater todas as ideologias que não são do seu interesse. Assim, sobrará apenas uma única ideologia invisível para aqueles que só enxergam como ideológico apenas os aspectos que vão contra seus posicionamentos partidários. Portanto, combatida a diversidade de posicionamentos que dispõe o conjunto plural de professores,  a escola se tornará finalmente o reduto de um único partido, ocultado pelos seus defensores.

Recomendações de leitura

FRIGOTTO, Gaudêncio. “Escola sem partido”: imposição da mordaça aos educadores. e-Mosaicos, v. 5, n. 9, p. 11-13, 2016.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da esperança: um reencontro com a pedagogia do oprimido. Editora Paz e Terra, 2014.

LOMBARDI, José Claudinei; SAVIANI, Dermeval; SANFELICE, José Luís. Capitalismo, trabalho e educação. Autores Associados, 2002.

WEBER, Max. O sentido da “neutralidade axiológica” nas ciências sociais e econômicas. Metodologia das ciências sociais. SP: Ed. Cortez, v. 1, 1995.

ŽIŽEK, Slavoj (Ed.). Um mapa da ideologia. Contraponto, 1996.

 

Roteiro de atividade/aula

  1. Solicite aos alunos (em grupos de 4) que escolham um dos temas a seguir e preparem um “aula” (de 15 minutos) nos termos da proposta da “Escola sem Partido”.
  • Ditadura Militar e direitos humanos;
  • Racismo e mercado de trabalho;
  • Desigualdade social no Brasil;
  • Lei Maria da Penha e a violência doméstica;
  • Diversidade cultural e minorias étnicas.
  1. Após a aula (apresentação dos alunos) dos alunos, questionem a eles o que não foi possível abordar e se essa ausência é benéfica para o desenvolvimento intelectual dos alunos.
  2. Conclua a aula retomando a importância da liberdade de cátedra.

 

 

Roniel Sampaio Silva

Mestre em Educação e Graduado em Ciências Sociais. Professor do Programa do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Piauí – Campus Campo Maior. Dedica-se a pesquisas sobre condições de trabalho docente e desenvolve projetos relacionados ao desenvolvimento de tecnologias.

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