Aceite inimigos no Facebook

Buscando o que ler na net me deparei com um texto cujo assunto tenho estudado nos últimos dias. Gostei da forma que o escritor Luís Antônio Giron (da Revista Época) descreveu a questão da aceitação de “amigos” no facebook.

Reproduzo aqui parte do texto disponível em:
https://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EMI243008-15230,00.html
[…] Por sua própria natureza, o Facebook se tornou um terreno eticamente esterilizado e seguro. Nunca mais o sujeito vai ficar só. Essa perspectiva pode
ser tão consoladora como horrorosa. Alguém já tentou meditar no total isolamento dentro da rede social? Juro que até tentei, mas a operação quase transformou meus amigos reais em criaturas abelhudas. Comecei a eliminar gente de minha lista, e me tornei antipático para mim mesmo. Desisti de iniciar discussões pela rede – e reincorporei os eliminados. O Facebook et alii não permite desavenças, confrontos nem discussões. Quem figura na lista de “amigos” do dono da conta está ali por alguma afinidade eletiva, ou uma situação nova: a afinidade concedida. A prática da discordância é evitada, quase como um tabu. É vedado exasperar-se com alguém. Não são possíveis as opções “aceite” ou “rejeite” um inimigo. Ou você diz sim ou então bloqueia, e a pessoa ficará sabendo. Ora, isso gera a pior das coerções: a da autocensura. O usuário pensa: “Não posso parecer crítico, furioso ou antissocial em público.” E aceita todos que fizeram a solicitação. Ser seletivo também se torna impraticável: quando o usuário se inscreve já é capturado pelas relações que mantém com a família, com os amigos, os conhecidos e os desconhecidos íntimos, que, no caso do jornalista, conhecem-no por leitura ou referência. Nesse sentido, o Facebook dá lições de tolerância e contenção. Mas também se revela um ambiente artificial. Não é um espelho do mundo, e sim uma distorção positiva do mundo. O Facebook é o sorriso da sociedade, não o esgar ou o ódio. 
[…] Nesse nada admirável porém espantoso mundo novo, o inimigo não ataca mais de frente. Ele se insinua como um vírus, às ocultas, até que a presa perca os parâmetros do que é certo ou errado. A contrapartida é que agora todos podemos nos transformar em vermes virtuais. Viramos seres impalpáveis, que transitam ao redor do mundo sempre à espera de uma resposta imediata, sem sentir as consequências de nossos atos. Os gestos que realizamos se afiguram a um só tempo inextensos e eficientes, numa corrente imprevisível de hiperinformação. No livro 44 cartas do mundo líquido moderno (Editora Zahar, 228 páginas, R$ 24,00), o polonês Zygmunt Bauman, talvez o mais arguto analista da vida contemporânea, afirma que a humanidade trocou de pesadelos: o de nossos pais era o da informação insuficiente; o nosso é o “pesadelo ainda mais terrível da enxurrada de informações que ameaça nos afogar, nos impede de nadar ou mergulhar”. Daí a necessidade de sermos seletivos em relação ao que absorvemos pelas redes.
[…] tornou-se impossível fugir da solidão neste outro universo. E, já que nele não podemos mais ficar sós, precisamos nos acostumar a viver mal acompanhados”.  

Cristiano Bodart

Doutor em Sociologia pela Universidade de São Paulo (USP), professor do Centro de Educação e do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal de Alagoas (Ufal). Pesquisador do tema "ensino de Sociologia". Autor de livros e artigos científicos.

1 Comment

  1. O TEXTO DESCREVE EXATAMENTE O QUE EU PENSO EM RELAÇÃO AO RELACIONAMENTOS VITUAIS, BOM TEXTO HEIM?

    ELIETE SOARES, AÇAILÂNDIA – MA – BRASIL

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