Com tantas atrocidades acontecendo no mundo, será que estamos mesmo evoluindo?*

A humanidade está em evolução?

Por Maria Helena Barbosa**
* Texto originalmente publicado pelo nosso parceiro “Causas Perdidas” 
 
Vários acontecimentos marcaram profundamente o ano de 2013 e ainda faltam dois meses para o ano acabar. O ano começou com fatos como a renúncia do Papa Bento XVI e a eleição de um Papa argentino, algo não muito importante para alguns, mas fundamental para grande parte da cristandade. Além disso, acompanhamos o trágico incêndio da boate Kiss em Santa Maria que ceifou a vida de tantos jovens, a maioria com um futuro brilhante pela frente, quase todos com famílias atenciosas e presentes que os mantinham numa vida tranquila e sem grandes choques. Quando falo em choques, refiro-me aos milhões de brasileiros que enfrentam diariamente um único problema: sobreviver, manter-se a salvo, quer seja da violência urbana ou familiar, quer seja apenas conseguir um teto ou uma alimentação decente para o dia. Nada trará de volta a vida dos mortos de Santa Maria, mas muito pode ser feito pelos que estão suplicando silenciosamente por uma chance, por um mundo melhor. Presenciamos também casos como o ataque químico à Síria ou o caso do menino de 13 anos que (não) matou os pais. São tantas tragédias, algumas anunciadas, que chega a ser complicado selecionar qual chama mais a atenção.
É impressionante como a mídia brasileira que tanto fala na Copa do Mundo ou nas Olimpíadas não se dedique com tanto afinco a mostrar os milhares de problemas que o Brasil enfrenta na realidade do seu cotidiano. Provavelmente isso não daria ibope. Porém, o autoexame de consciência repentina do Jornal O Globo sobre o apoio à ditadura militar não pode passar despercebido… qual seria a jogada dele, afinal? O caso da família de policiais que “apareceu” morta deu Ibope e virou notícia nacional e internacional. Não podemos esquecer também da notícia da vinda dos médicos cubanos (na verdade os médicos não são apenas cubanos, são de outras nacionalidades – todos foram rotulados de cubanos)… Importante ressaltar o fato de que para quem não tem nenhum atendimento especializado, o médico pode ser coreano, australiano, cubano, desde que atenda e não diga que um joelho quebrado é uma virose, tá valendo. Não podemos esquecer que em nossos hospitais públicos as filas de espera são imensas, da mesma forma que a espera por um exame é tão grande que provavelmente quando a pessoa o fizer, ou já terá sarado ou terá morrido, das duas uma.
Tenho visto inúmeras críticas nas redes sociais principalmente a respeito de programas como Big Brotherou A Fazenda com a justificativa que o tal programa incita o sexo e desrespeita a moral. Mas o que dizer de um país que é conhecido mundialmente pelo carnaval (leia-se: mulher de bumbum de fora e lavagem de dinheiro no jogo do bicho), pelo futebol (leia-se: jogadores com salários astronômicos) e o pior de tudo, pelos casos de corrupção que não dão em nada. Brasil, o país do jeitinho, onde tudo se arranja, onde a tudo se dá “um jeitinho”. O país da pizza.
O problema não está neste ou naquele programa de televisão, está na aceitação do povo, que não vê problemas em tudo isso ou, se vê, finge que não entendeu, como se todos no país soubessem sambar, ignoram o fato de que um operário trabalha o mês todo por um salário medíocre enquanto alguns jogadores de futebol anunciam que sua lancha custou alguns milhões, ou que um deputado embriagado matou com seu caríssimo carro na madrugada curitibana jovens não tão ricos quanto. Um país onde o Ministério da Cultura investe milhões de reais em shows da Claudia Leite enquanto escolas e hospitais estão sendo sucateadas.
Este semestre, uma professora de língua portuguesa foi assassinada a facadas aos 27 anos por um aluno de 33 anos do curso de EJA na qual ela lecionava em SP. Um aluno de 14 anos foi morto por um celular no interior do PR e outro aluno matou a tiros um colega do ensino médio dentro do pátio da escola. Provavelmente se dará um jeitinho para resolver o “problema” das vidas que se perderam no incêndio com alguma indenização às famílias ou um ou dois indivíduos culpados sejam presos, mas os descasos, o descuido com a população vai continuar acontecendo e o povo vai continuar dando um “jeitinho”. Afinal, somos o país do carnaval do futebol e do jeitinho.
Estamos evoluindo?
O ser humano inventou a roda e depois disso tudo ficou mais fácil; criou formas de voar e conseguiu chegar à lua. Também conseguiu aperfeiçoar formas de matar, com bombas químicas e nucleares que matam milhares de pessoas de uma vez… Há evolução quando a vida de um ser humano vale menos que um alvará? Ou quando um ciclista é atropelado e o motorista joga seu braço que foi arrancado pela janela do carro? Quando um astro do futebol confessa que mandou matar a amante e dar de comer aos cães? Quando, em um ato de retaliação, bombas químicas são jogadas sobre civis e milhares de pessoas morrem asfixiadas, entre elas, mulheres, crianças e idosos? Pergunto mais uma vez: estamos mesmo evoluindo?

***Maria Helena Barbosa formada em História pela Unioeste e especialista em EJA/PROEJA pela UTFPR, leciono História, Sociologia e Ensino Religioso na rede pública do PR e na rede privada. Adoro ler, sou fã de Guerra dos Tronos, vício que herdei do filho. Gosto mais de ler do que gosto de chocolate.Ando perdendo a fé na humanidade.

Cristiano Bodart

Doutor em Sociologia pela Universidade de São Paulo (USP), professor do Centro de Educação e do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal de Alagoas (Ufal). Pesquisador do tema "ensino de Sociologia". Autor de livros e artigos científicos.

2 Comments

  1. Concordo com a Professora Maria Helena Barbosa em tudo que ela escreveu. No entanto, discordo quando ela diz que está perdendo a fé na humanidade. Os humanos sempre foram assim, belicosos, agressivos e não houve momentos da humanidade escritos nos livros de Rousseau, ou seja, como ele diz: O homem nasceu bom e a sociedade é que o fez mau. A questão é que os nossos governantes em todos os níveis não estão cuidando da nossa sociedade, a qual está doente e os médicos cubanos não conhecem esta doença.

  2. Essa retrospectiva que a Maria Helena nos apresentou, só vem a confirmação de que essa "Evolução" nada mais é para mim que "abstrata" ou talvez um dogma. Cadê a evolução da educação, do conhecimento, da melhoria de vida, da sustentabilidade?
    *******
    Voltando ao texto o fato que me chamou á atenção é quando ela descreve "O problema não está neste ou naquele programa de televisão, está na aceitação do povo, que não vê problemas em tudo isso ou, se vê, finge que não entendeu, como se todos no país soubessem sambar, ignoram o fato de que um operário trabalha o mês todo por um salário medíocre enquanto alguns jogadores de futebol anunciam que sua lancha custou alguns milhões, ou que um deputado embriagado matou com seu caríssimo carro na madrugada curitibana jovens não tão ricos quanto. Um país onde o Ministério da Cultura investe milhões de reais em shows da Claudia Leite enquanto escolas e hospitais estão sendo sucateadas."

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