Cadê a mosca? Por uma sociedade mais politizada!

 

Por Cristiano Bodart

O país viveu cerca de 20 anos de repressão militar. Pessoas foram presas, expulsas do país, torturadas e muitas foram assassinadas ao buscar liberdade de expressão e democracia. Para esses, a democracia era algo que valia a pena.

Em 1973, Chico Buarque, o segundo cantor mais odiado pelos militares, depois de Geraldo Vandré, em alusão a oração de Jesus Cristo”, utilizou-se do duplo sentido da palavra “cálice” ou “cale-se”, para colocar-se em risco de ser duramente reprimido; tudo para clamar pelo afastamento da ditadura… em prol da democracia. Raul Seixas, em 1973, através de sua metáfora, onde o povo era a mosca e a ditadura a sopa, apontava que o povo sempre iria incomodar o regime e que nunca poderia ser eliminado, pois sempre existiriam aqueles que se levantariam contra um regime opressor.

 

Nos anos de ditadura a educação era de acesso restrito. Eram poucos os que tinham condições intelectuais para questionar conscientemente o regime ou o governo. Nas cidades pequenas, como em Piúma (minha cidade natal), a vida continuava como se tudo estivesse “nos conformes”. Poucos sabiam o que era Ditadura Militar. Nem mesmos os prefeitos dessas cidades entendiam muito bem o que estava acontecendo.

O regime militar acabou… o Chico viu a “banda” passar. A morte, a dor, a solidão dos que lutaram pela democracia parece não ter sido em vão. Em 1985, o Brasil começa a ter nova configuração. A nova Constituição, promulgada em 1988, em um show de democracia, abre novos horizontes… liberdade de expressão, educação básica universalizada, criação de espaços mais participativos… Em 2001, após criado o Estatuto das Cidades, as prefeituras passam a convidar os cidadãos a participarem daquilo que antes estavam privados. A população passou a ampliar seus anos de estudos.

Passado o regime militar, fica o questionamento: cadê a mosca que se referia Raul Seixas? Cadê o cidadão desejoso de uma vida em sociedade cada vez melhor? Cadê o brasileiro crítico? Calou-se? Beberemos o cálice de vinho tinto de sangue calados?

Em meio a indiferença surge um questionamento: será que a sopa está sendo dividida de forma justa à todos? Basta olhar ao redor… precisamos ser moscas. Cadê a mosca? Raul, cadê a mosca? Será que não tem mais mosca? Está na hora de cada um de nós dizermos em alto e bom tom: “Eu sou a mosca que pousou em sua sopa!”

Cristiano Bodart

Doutor em Sociologia pela Universidade de São Paulo (USP), professor do Centro de Educação e do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal de Alagoas (Ufal). Pesquisador do tema "ensino de Sociologia". Autor de livros e artigos científicos.

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